Thursday, February 24, 2005
Pintas e afins
Como em tudo o que de bom se tem na vida, uma queda, um jeito, enfim um dom, é sempre uma coisa que se tem que prezar. Seja qual for o dom, existe sempre ponta por onde se lhe pegar e uso ao qual lhe siga.
Isto de profissões tem muito que se lhe diga ... Há quem nasça com um chip electrónico na cabeça, ou qualquer semelhante, e se dedique de alma e coração à matemática, essa eterna descritora imponderável das coisas que nos rodeiam, desde o mais infímo vírus, ao mais quente astro que um dia há-de morrer. Há os músicos, esses eternos descabidos, que não tem sitio onde cair mortos – isto é, se não tiverem tido educação primorosa e sem mácula nos melhores tutores clássicos de batuta e paletó, ou nos afamados conservatórios – que trauteando ritmos e colcheias nessa maquinal caixa dos pirolitos, lá vão ganhando para o pão nosso de cada dia. Há os amantes dos animais – que não devem ser confundidos com os outros que levam demasiado à letra, diga-se, a expressão – que com ternos cuidados apaparicam aqueles que companhia dos solitários são, assim como, por outra face embelezam as calçadas do mui belo Portugal.
E há, entre muitos outros, os futebolistas que de dote ou xico-esperteza brotam aos milhões, tal qual papoilas saltitantes – ai alma benfiquista que tão despojada andas – de qualquer clubezeco, associação bairrista e escola de futebol de alta finesse burguesa.
É esta mui nobre classe que pretendo nesta missiva distinguir. O dom de futebolista, nos dias que correm, não se limita apenas a uma irrepreensível magia de movimentos de perna. Não é só saber confundir o adversário com ilusórias fintas de habilidade, nem se restringe apenas ao efeito de boquiabertura dos maxilares de quem o vê a efectuar milhentos toques de bola com todas as possíveis e imaginárias partes do corpo. Ser futebolista é mais do que isso... é passar os anos preparatórios da escola de vida, apenas em 2 épocas de um qualquer campeonato distrital. Começa-se nas escolinhas com o pequeno paleio tate-bitate de quem quer ser gente grande e de quem domina a bola como 1 milionário jogador. Daí ao jargão do “Passa a bola seu fuço” e ao enigmático “Ela [a bola] saiu para fora”, entremeado com doses q.b. de “Deslarga-me” ao dominar perfeito do rigor táctico ainda vão uns largos passinhos. As manhas aprendidas com os colegas, e entre os tiques tirados fugazmente de um qualquer jogo de alta roda – os atiranços para a piscina, os looks capilares na moda, assim como os refilanços e impropérios tão bem nítidos no gesticular dos lábios do craques, enfim... as maravilhas do meio – impera, dentro do relvado ou pelado, pejado a cal, as palavras desenxofradas pelo mister na cabina.
Isto dentro do campo, pois cá foram a magia do esférico é substituída pela mania dos típicos pintas. Os jeitos colhidos dos galácticos afortunados são transpostos para as mais mundanas e absurdas realidades. Os oxigenados cabelos, as franjas descaradas a descair sobre as borbulhentas frontes, aqueles sorrisos mordazes capaz de deixar as fêmeas loucas. E vêm as loucuras, as subidas das grandezas à cabeça, inversamente proporcionais aos escalões onde praticam a suposta arte. O amor à camisola, outrora a verdadeira alma do jogo, reduz-se ao amor à camisinha, substituição degradante mas assaz prazenteira do símbolo do peito ao latex viril. E o que vem a seguir? Borlas, borlas e mais borlas, entradas nas discotecas, aparições no papel da socialite, namoriscos fugazes com modelos e uma ou outra porta entreaberta...
sempre pensei que só tinhas jeito para arranjar o meu pc mas a vida é feita de mistérios...
By: Flick
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